segunda-feira, 31 de maio de 2021

“Tenho saudades do tempo em que os vizinhos se tratavam como irmãos” Angélica Cardoso

Um dos objectivos da iniciativa "Memórias e histórias de vida: Dando voz a pessoa idosa" é resgatar memórias, histórias e vivências de outrora contadas em primeira mão através daqueles que viveram experiências que merecem ser partilhadas. 

A nossa entrevistada de hoje é a dona Angélica de 93 natural de São Miguel, residente há mais de 20 anos na Praia. Ela nos leva para o seu tempo onde os vizinhos eram muito unidos e se tratavam com parentes.

Mas antes, “Vovô”como é carinhosamente chamada por todos conta-nos que parte da sua juventude foi vivida em São Tomé onde era galinheira, recolhia ovos para levar aos “brancos” e colocava as aves nas capoeiras. Depois deste período regressou á Cabo Verde onde trabalhou na lavoura, cimenteira e partilhava como os vizinhos.

No meu tempo os vizinhos cuidavam uns dos outros, hoje infelizmente não existe mais esta prática, assevera “Vovô” considerando que actualmente não se fazem mais vizinhos como antigamente.

Recordando algumas vivências a jovem de 93 anos assegura com nostalgia que hoje, as pessoas pouco se falam, outros nem sabem se são vizinhos. 

“Tenho saudades daquele tempo onde os vizinhos se preocupavam uns com os outros, as pessoas mais velhas educavam e cuidavam dos filhos dos outros. Era muito bom este tempo, enquanto as crianças se juntavam para brincar no final da tarde e á noite, os pais e os jovens adultos se juntavam todos na porta da casa, os degraus das escadas serviam de assentos, juntava muita gente, e era ali que todos conheciam, brincavam” recorda.

Como é que brincavam as crianças do seu tempo?

Angélica (Vovô): Divertíamos jogando, brincávamos de tudo o que nos davam na telha, fazíamos grandes rodas, ouvíamos histórias dos mais velhos, “pique queimada”, rolávamos no chão e corríamos muito. Era uma tortura quando nos colocavam de castigo de uma semana sem brincar. 

E nos tempos actuais?

Angélica (Vovô): As brincadeiras de hoje em dia é muito diferente, as crianças quase que não se entendam, brincam mais com os telemóveis. As mães desentendem-se umas com as outras por causa dos filhos, mas no meu tempo isto não existia. 

Se as crianças de desentenderem, qualquer mãe ia lá exigir que fizessem as pazes e ainda rendiam algumas palmadas quando passavam do ponto, as palmadas até que nem doíam muito, mas o castigo.

Segundo dona Angélica, os vizinhos eram tão unidos que pareciam ser todos parentes, por outro lado acredita que hoje em dia nem todas as famílias são unidas, mas que felizmente teve a sorte de ter uma família que cuida dela e se preocupa.

Como é que os vizinhos se tratavam?

Angélica (Vovô): Já não temos mais vizinhos como antigamente, as pessoas se ajudavam, se sentavam na varanda de um ou de outro para conversar, jogar, comer e beber e se divertirem, isso talvez ainda tenha em alguns bairros e com certeza em cidades menores, mas até nessas cidades esse costume tem ficado raro.

Quando a árvore produzia muito era comum um vizinho levar para o outro. Todas as pessoas que moravam por perto eram conhecidas, era seguro para todos nós. Hoje não aconselho ninguém a brincar na rua por causa da insegurança. 

Com o crescimento das cidades e a semelhança do que acontece em países desenvolvidos as mudanças são constantes e tem repercussão na vida das pessoas.

Dona Angélica assegura que pelas ruas quase não se conhecem mais os vizinhos, quase que não há mais crianças na rua brincando e que nos dias actuais poucas pessoas se cumprimentem e se ajudam mutuamente.

Cláudia Santos


Sem comentários:

Enviar um comentário